A DERRADEIRA MORTE DO ENCANTADO
Maria João Brito de Sousa
11.09.08
O senhor-dos-óculos-pretos disse: Morreu!
Mas aquela rapariga meia-maluca
fêz-lhe uma coroa de flores
e beijou-o devagar.
Ele estava deitado, voltado para o céu,
vivo ou morto - a sonhar.
Passou um dia enorme.
O senhor-dos-óculos-pretos disse: Cheira mal!
(as abelhas bem sabiam que não
e diziam baixinho: -Dorme...
poisadas sôbre o seu coração.)
O senhor-dos-óculos-pretos disse: À cova!
Mas nem os coveiros ouviram.
A chuva mansa lavou-lhe o rosto
e colou-se-lhe ao corpo a lua-nova,
depois da benção so sol-pôsto.
(Do senhor-dos-óculos-pretos ninguém sabe.
Mas Êle, para sempre, ali ficou,
a dormir e a sonhar, com o mesmo sorriso.
- Há tanta coisa que não cabe
senão no Dia do Juízo!...)
In - "O Náufrago Perfeito" , Tipografia Atlântida
Coimbra, 1944
Imagem - Fotografia gentilmente cedida por "Fisga"
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