VÔO NOCTURNO
Maria João Brito de Sousa
09.02.10
LUA!
toda branca, a tremer no céu profundo
inquieta e nua
ao vento zoado dos confins do mundo!
Violino que só tem o som agudo,
o teu luar é médium, arrepia.
Nele vem tudo a mim e eu sou em tudo
como no instante imenso da agonia.
Oh noite-plena das saudades mortas
e pávidos espantos!
- Sou os abraços para lá das portas
e os mendigos gemendo pelos cantos.
Sou os gordos senhores a ruminar4,
junto do lume, astutas ladroeiras
e as almas penadas a bailar
sobre as pedras das eiras.
Sou de jóias, bordéis, cinemas, automóveis,
egoísmos e histéricas vaidades
e velhas torres imóveis
que falaram de Deus noutras idades.
Impo de charlatães, batendo a mão no peito,
que dão a quem der mais
velhas mézinhas de seguro efeito
contra pecados simples e mortais.
Nasço com esses que hão-de herdar a terra
onde só temos, de certeza, a cova.
Sou os que aprendem - vão partir prá guerra!-
uma cantiga nova.
Famintos cães uivando
nos descampados,
sou os que traçam versos, delirando,
cheios de frio, inúteis, desgraçados.
Queimo o incenso das preces que não9 passa
as nuvens do segredo
e sou os que andam à divina graça
no meu degredo.
In "Sete Luas", 2ª edição, Lisboa 1954
Imagem retirada da internet
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