A NOVA MORTE DE O ENCANTADO
Maria João Brito de Sousa
04.09.08
Era a noite de toda a gente,
púlpito de anjos e de espectros
para ele e esses dois metros
do seu catre... um Oriente!
O toar da velha guitarra
dos nervos em que os avós
se lhe aguaram - a foz
onde os navios quebraram a amarra.
Os seus óculos banais
- um Olimpo a dois postigos
por onde uns deuses amigos
coavam versos imortais.
Suas mãos, com cinco dedos
como as que pegam nas enxadas,
eram asas embruxadas,
teares de líricos segredos.
A boca - chamas e crisol
da própria forja da beleza-
pregava ao mundo uma certeza
toda de caminhos de luar e sol.
Até os pés - prosaicos pés
nos sapatos quarenta e um-
eram-lhe para andar desertos em jejum
como os do povo santo de Moisés.
Enfim, senhores! Hoje seria
de todos o maior desde as origens,
se não tivesse a mania
de amar impuras e virgens.
In - "Sete Luas", 2º edição, Editorial Inquérito, 1954