ACORDES
Maria João Brito de Sousa
05.11.08
Ao Miguel Torga e à Andrée Crabbé Rocha
Quando a estrela começou a cantar
já ele tinha cabelos brancos,
o lábio duro e as unhadas do tempo
na cera fria da face.
Uma canção angélica, de paz,
verde como essa luz do amor primeiro.
Embebia-se dela a noite mansa
e tudo esperava uma revelação.
Ele ouvia-a pelo ouvido direito
(ao esquerdo um mar de trevas cachoava),
guardando os olhos inquietos
nas pálpebras cerradas.
Quando a estrela começou a cantar
já era ao pobre o coração de ferro.
Mas os dedos subtis da melodia
abriram nele uma flor de luar.
In- "Livro de Bordo", 2º edição, 1957