LADAÍNHA
Maria João Brito de Sousa
12.12.08
Hei-de ser, em mãos alheias,
um corpo a deitar à terra,
quando acabar minha guerra.
Estrelas, sóis, luas cheias
- meus pobres astros privados -
rüirão nos céus usados.
Serão apenas vidrilhos
estas joias do meu sonho;
eu, algum cardo tristonho
mais os meus pais, os meus filhos.
(As rosas são proïbidas
nas sepulturas perdidas...)
Mas um cardo ainda vive,
e o nada será só nada:
menos que a sombra deitada
num rio que não derive...
Esse sabor dos teus lábios
e os meus beijos de amor
serão poeira e bolor.
Funda ciência dos sábios
e rectas leis do digesto
hão-de acabar com o resto.
Mais-e-menos, menos-mais
- contas correntes contadas
por sôbre as almas pisadas -,
vós que pensais que ficais,
e eu, que sei que não fico,
e disso me faço rico,
seremos não-poder-ser
só por sermos o que somos,
numa coisa a apodrecer
apertados como gomos.
In "O Náufrago Perfeito", Coimbra, 1944
Imagem retirada da internet