Em Calicut, uma vez,
o grande Vasco da Gama
pôs-me a ferros no porão.
Não por pena de traição
mas por eu passar na cama
trinta dias, cada mês.
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Se retroava a bombarda
para acossar a moirisma
- a cambulhada casmurra -
eu dedilhava a bandurra,
recatando a minha cisma
ao anjo da minha guarda.
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Quando o Santelmo chispava,
nos tops de popa a proa,
agoiros de calmaria,
eu ao bailique pedia
o caminho de Lisboa
e o corpo da minha escrava.
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quando a água escasseou,
a bolacha criou bicho
e o vinho já ia azedo,
eu nunca tremi de medo:
fiquei-me em santo de nicho
que a si mesmo se salvou.
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mas se o mar fazia espuma,
o vento cuspia pragas
e a nau parecia um trambolho,
já, do sono, abria um olho,
piscava-o de manso às vagas
- Que, enfim, a vida é só uma!
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(Sei que a morte me não quer
enquanto andar embarcado,
só pecando em pensamento.
Porém sou primo do vento
e no seu corpo salgado
o mar é minha mulher...)
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Não fui herói como os mais,
mas o almirante do rei
acabou por perdoar.
É que eu tinha de ficar
só nos trabalhos que sei
p`ra lhe dar estes sinais!
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(A nau voltou a Belém
e eu, felizmente, estou bem!)
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In: JANGADA -
1946, Coimbra Editora
Era o fim!... Mas levava a descoberta,
para o lado que a vida nunca diz,
de uma ironia lírica e desperta.
E quem faz descobertas é feliz.
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Passara sobre a hora mais deserta
do silêncio, da morte, do país,
onde a luz ou a sombra é recta e certa
e parara ante a face do Juíz.
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- Pecados? Bem ou mal? - Tudo era um jogo...
E o seu riso silvava contra o fogo
lá desse olhar que fere como as lanças!
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Mas quando a voz ditou, fria e de fogo:
- A teus passos andados te desterro!
de joelhos, chorou como as crianças.
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In - SETE LUAS - 1ª edição - 1943
Edição de Autor, Tipografia Atlântida, Coimbra
Não, meu menino! não é aqui!
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Tu vens ao jogo da vida
com essa avidez perfeita
como um bambino a mamar:
- que denúncia os teus olhos de poeta!
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Não, meu menino! não é aqui!
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Esta lareira já nem lembra o fogo.
Berços? - Só o vai-vem das artérias
contando os passos da morte
como o caruncho que rói.
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Esta Bela Adormecida
é alma sem salvação
e os principes partiram
quando o luar secou.
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Beijos? - Só esta fome sem remédio
como o pecado da gula.
(O amor não é ser amado:
é amar!)
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Não, meu menino! não é aqui!
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Aqui só o acre das lágrimas
na face arada de rugas:
as lágrimas ferozes e gratuitas
sem um perdão ou uma esperança.
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In - SETE LUAS - 1ª edição
Edição de Autor, impressa em Abril de 1943
pela Tipografia Atlântida, Coimbra
Que mundo este, sufocado!
E quer matar o que há-de vir!...
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Em qual dos dois serei pecado?
A qual dos dois vou disfarçado?
De qual dos dois estou cansado?
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- Mãe, custa tanto rir!
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In - JANGADA, 1944
Coimbra Editora
"... E se é verdade que António de Sousa é hoje tão sentimental e romântico como há trinta anos, o certo é que, poeticamente, se enriqueceu; a sua imaginação verbal, o seu intelectualismo, o seu sarcasmo, o seu realismo lírico, digamos assim, tornou-o um dos poetas mais interessantes da moderna literatura portuguesa."
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João Gaspar Simões
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POESIA
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ANTÓNIO DE SOUSA
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