SEM TÍTULO
Maria João Brito de Sousa
27.07.08
Era uma vez um homem como os mais,
a bordo dum navio,
singrando como os outros, sem desvio
das rotas naturais,
com máquinas pulsando como um coração
a bem do comércio e da navegação.
Mas vai a lua que, nua, fluía
na piscina do Céu,
uma noite em que o homem se esqueceu
de fechar a vigia,
trepou pelas vagas
e arrebatou-o para ignotas plagas!
Pela manhã, no "deck", os passageiros,
quando o souberam, tiveram-lhe pena
(as mulheres sobretudo:
o raptado era de cor morena...)
Pesares de passageiros, passageiros...
À hora do almoço comeram bem
e ao jantar também.
Dormiram, amaram
e todos chegaram aos seus destinos
e depois foram ricos, felizes, tiveram meninos
que os continuaram.
E o navio, pesada lançadeira,
continuou - para lá, para cá - na Terra inteira.
O homem foi um náufrago perfeito.
A princípio chorou dias inteiros,
depois, para comer, foi trepando aos coqueiros
e resignou-se a dormir só com a Lua no seu leito.
Tanto viveu assim que ficou "lua":
andava com o corpo e a alma nua!
Vieram-lhe ambições. Era rei dos macacos.
Se não morre, senhores, de indigestão de lua-cheia!
E assim acabou esta odisseia.
Os outros mortos dormem em buracos...
este, numa ilha deserta e singular,
jaz de conserva em molho de luar!
In - "Ilha Deserta", 2ª edição ilustrada por Manuel Ribeiro de Pavia
Editorial Inquérito, 1954