MANUEL RIBEIRO DE PAVIA MORREU A 19 DE MARÇO DE 1957, DIA EM QUE FEZ 47 ANOS.
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SEGUNDA CARTA DE LONGE
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Manuel Ribeiro de Pavia:
Esta carta é para ti.
SEGUNDA CARTA DE LONGE.
A primeira-há quantos anos!-
foi para minha mulher,
então confiante e jovem,
hoje a Mãe do meu filho mais novo
e Avó de sua filha
e um pouco minha Mãe.
(-Tu, Velhinha querida,
não tens ciúmes, não?)
Manuel de Pavia:
Em espírito e verdade,
numa hora crepuscular da minha vida,
- Não sei por que milagre
mais velho de tão novo-
foste o meu último irmão.
Não da carne e do sangue
mas de um sonho estelar
"romântico e pungente"
cortado de sarcasmo
ou de magoadas lágrimas
- em ti, inconfessadas,
em mim, secas ao vento.
O meu último irmão.
Partiste,
para Lá, para onde?
De longe é que te escrevo.
Já encontraste aí
- nesse onde estás, que estás -
minha irmã?
(Menina Branca
fugida aos trilhos da terra
antes que esta lhe desse os seus venenos)
E meu pai, o Meu Velho?
Já lhe falaste de mim?
Deste-lhe notícia do meu renovo,
dos meus pequenos triunfos?
(Discreto e nobre,
sei que não lhe disseste
a tua parte neles.)
Contaste-lhe da sua bisneta,
da tua infantil camarada
que te fez num retrato
com pernas de légua e meia
e que desenha Anjos muito melhor do que tu?
Descreveste-lhe esta casa
que tu honraste com a tua presença
sempre tão desejada
e requerida à tua esquiva reserva
e afinal concedida
com a alma e o coração abertos?
Manuel de Pavia:
Segunda Carta de Longe,
esta carta é para ti.
(Os outros que me lerem
assistem, de testemunhas,
mais ou menos presentes,
mais ou menos fiéis.)
Amigo!
No teu orgulho heróico,
sei que não quiseras que te chore
e, se te choro, é por mim.
Mesmo assim,
dorido,
mais velho de repente
e mais só,
tenho de te dizer
(e não sei se me escutas)
que não quero
e não hei-de
separar-me de ti.
Tenho de prometer
(é a Deus ou a quem?)
que ficarás em mim,
num ditame de esperança
ao melhor do meu ser.
(Tal como tu quiseras.
Esse, um dos teus dons:
despertar os dormentes.)
Tenho de te dizer
que a tua obra, VIVA,
será sempre (o meu sempre)
um aceno ao Poeta que em mim está.
Para que passe além
mais leal e mais puro,
ao serviço da Beleza e da Vida,
na alegria e na dor.
E ELE e eu - um Homem.
(Para o meu sempre Amigo e para nunca mais)
Algés, Março de 1957 às 22.31h
Imagem - Fotografia de Manuel Ribeiro de Pavia desenhando, em nossa casa.
In - "Livro de Bordo" (2º edição)
Publicações Europa-América, 1957