LENDA DO PATO BRAVO
Maria João Brito de Sousa
28.01.10
Voa no céu
- tão alto! -
um pato bravo
e a onda do seu grito
rola no sangue vivo do poente:
"Suam-me versos estas noites velhas
que me descem dos olhos,
lá do fundo,
onde é, talvez, o coração que vê.
Digo ao que vem á frente dessas horas.
- aqui viver ou morrer,
mas devagar!
E grito o meu orgulho a sete luas mortas...
Depois, gran-duque e senhor
e rei de um reino de pedir às portas,
choro
e esmolo o pão de vida
aos que de vida vão fartos.
E peço o amor a algum beijo
gasto, cansado, caído,
que ia a destino e me bateu na boca.
- Há por aí farrapo pra vender?
Sou o dos olhos de mel...
Sou o menino dos luares doridos
que esteve nove meses de joelhos
a rezar o seu medo de nascer."
Voa no céu,
tão alto,
um pato bravo,
agora, no silêncio
do deserto e das almas que se fecham.
O vento servo dos deuses,
certeiro o gume da faca,
mete-lhe o vôo entre fatias de ar:
um "hors d`oeuvre" de apetite
para os papões demiurgos
dos caminhos para SER.
- Pronto! Passou!
Prossiga esse banquete!
O guisado de sóis vem para a mesa.
Continua o roer da Eternidade.
António de Sousa
In "Sete Luas", Editorial Inquérito
Lisboa, 1954.