SONATA II
Maria João Brito de Sousa
15.10.09
2
Mesmo quando a manhã canta em hosanas,
uma dúbia ternura me desdobra
num pálio de poentes sobre a vida
dos que lutam e sangram sua fé.
Tudo o que posso dar sabe a tristeza,
a um adeus que é renúncia e desespero.
Se me rio é de mim, à minha sombra
sumida como um hálito lunar.
As lágrimas são caras na velhice
e eu já nasci velho.
Eu nasci velho como um deus cumprido
que quisesse ser homem
sem saber
que nem um deus é homem quando quer!
(Deus cumprido e frustrado - oh cósmica pilhéria! -
é de mim que me rio à minha sombra,
é por mim que canto a minha voz,
é a mim que me fujo mnos terreiros
ou nos becos da Vida!)
Um fantasma de sonho, riso e pó,
mas cortado de dores como um parto de astros,
eis-me tal qual me vejo
neste espelho que fala como gente:
um mistério e uma história-de-café!
in "Linha de Terra", Lisboa, 1951