REQUIESCAT
Maria João Brito de Sousa
04.12.09
DEIXEM-NO!
Deixem o triste senhor de olhos em alvo
e boca trémula,
desgrenhar-se,
coçar a caspa lírica dos revoltos cabelos milenários.
Deixem-no, à beira-mar plantado,
olhos nos longes do cenário,
turvos e longos, pingando,
nas longas, longas mãos, longas e pálidas.
Não lhe falem!
- A sua voz é um ressumbro de fados,
um tilintar de vidrilhos,
cisco do verbo que foi dado ao Homem.
Deixem-no a ler as cartas de namoro
das Lauras e das Elviras:
um ópio de amor em branco
à hora em que é preciso ser tão vivo como a luz!
Deixem-no!
Deixem o astrólogo e vizir
das mil-e-uma-noites-de-luar
alheio ao fogo das horas.
Sabe-lhe a céu o seu cheiro de morte,
mas nós temos olfacto:
farejamos a vida em espírito e Verdade.
O caminho é por aqui!
in "Sete Luas", Lisboa, 1954