ESCONJURO
Maria João Brito de Sousa
14.01.10
BEM sei!
- É só estender a mão,
dizer amén, e sou rei!
[tenho talento que sobre
e um sangue no coração
que não é azul mas é nobre.]
Dizer amén
e acudir na hora H.
[a um homem não fica bem
andar de cá para lá,
e a gente vale o que tem
pelo que dá.]
Tenho talento!
Quando penso é sempre em verso:
sou um poço de sentimento!
Mas ficou-me desde o berço
este receio do incerto...
Herói, sim! mas encoberto...
- E o céu?
- O céu que eu entendo
[e quem diabo mo deu?]
são uns lábios de mulher
e uma mentira qualquer
que me dão e a que me rendo.
Dividido,
porque procuro um sentido
e pergunto a toda a gente:
- É a vida que me mente
ou eu que estou impedido
de ser verdadeiramente?
Na perdição que me guia,
inquieta, vaga, distante,
a verde luz da alegria
vem e vai... passa adiante...
beija-me os olhos, às vezes,
para lá dos meus revezes.
E ainda rezo
e tateio como um cego,
aquela noite sem nome
- noite que temo e que nego! -
do medo que me tem preso.
E espero.
Espero,
não a riqueza do mundo,
nem a glória, que não quero,
nem essa voz do Profundo
que é sonho e arte e beleza!
Eu espero outra certeza:
encontrar-me! SER, enfim,
aquilo para que vim
a este mundo, senhores!
Ser eu sem esta saudade,
sem incertezas nem dores:
ter-me todo em liberdade!
In "Sete Luas", 1954