O NÁUFRAGO PERFEITO
Maria João Brito de Sousa
16.09.08
O Dr. António de Sousa, que já havia dado à estampa, de 1918 a 1943, cinco obras em verso - "Cruzeiro de Opalas", "O Encantado", "Caminhos", "Ilha Deserta" e "Sete Luas" -deu, pouco há, a público, novo livro que significativamente intitulou de "O Náufrago Perfeito" e a Atlântida de Coimbra editou em gracioso volume.Poeta autêntico, por cujo estro fecundo perpassa toda a gama de emoções humanas, António de Sousa, de quem não conhecíamos as obras anteriores, exprime a sua mensagem poética com uma originalidade e uma frescura que sugerem, por vezes, Cesário Verde. Cultivando, quási sempre, os ritmos clássicos, o poeta constrói os seus versos ao sabor de uma inspiração que se mostra espontânea e robusta. Díficil, senão ímpossível, filiar os versos de António de Sousa em determinada escola,pois, se esta composição se assinala pelo seu alor romântico, aquela caracteriza-se pela objectividade naturalista. Ao mesmo tempo que o sentimentalismo se expande em composições de expressão -digamos assim - tradicional, a sátira, o sarcasmo, a ironia, o apontamento crítico e intencional trabalhados por processos muito pessoais, mostram outra das facêtas do espírito do poeta, manifestamente rico e pródigo. Acima de tudo, porém, salienta-se a maneira de ser, verdadeiramente moderna, que o poeta exprime na na maior parte das suas composições. A beleza formal, notável em todos os seus versos, deixa transparecer a beleza essencial, que é, na poesia moderna, o que mais importa e se recomenda. Algumas das concepções do poeta são francamente arrojadas, mas é inegável que um forte e ardente sôpro de vida areja todos os versos de "O Náufrago Perfeito". As composições pertencentes a "Céu Fechado", primeira parte da obra, são, talvez, as mais interessantes, pelo jogo das ideias e palavras, sempre brilhante e atraente. Contudo, nas composições da segunda parte, "Terra de Sombra", António de Sousa faz lembrar, aqui e ali, Camilo Pessanha, o que vale por dizer que a sua poesia acusa um timbre invulgar e fino.
In - "O Comércio do Pôrto", 26.10.1945
(artigo não assinado)