Este viver de líricas fragrâncias
faz-me corar,
lá, onde a minha alma é toda-a-gente
como Deus manda.
Nas pálpebras a lágrima - o aljôfar,
como se diz no bem falar romântico;
dentro, a secura nua e crua dos desertos
onde não há sombra nem pão.
Ponho a minha casaca de cometas,
a ígnea farda de falar às musas,
e olho os esfarrapados
com literária piedade e o coração calado.
Caridade, perdão; Rainhas Santas
de palavras a passar na procissão das frases
e, se me tocam na pele,
fecho-me rápido como os dedos no cabo de um punhal.
Assim, estar assim, dói!
(neste doer de pôr em rezas...)
- Vamos! Quero o caminho de Estar para Ser;
talvez esta hora traga a da feliz viagem!
Esta hora!... a minha última descoberta:
terra fiel de paraíso ou horta?
Se vem chuva do céu, no céu me espero?
Se há água só nos poços, sobe ou desço?
Triste Vasco da Gama
no Mar das Trevas das perguntas velhas,
gastas, regastas, roídas
como cachimbos em segunda mão!
Ai, um pouco do travo do Eclesiastes!
- Vanitas vanitatum! (em latim
estas coisas ressoam bem melhor...)
enfim! Rei ou Poeta - figura de passar.
Confesso: não me confesso
para que me cuspam filosofias e saberes.
Quero a certeza de abraçar irmãos
para ser e sermos antes que a morte venha!
Quero o que negue em nós
o animal raivoso, a besta impura;
mas não quero o pecado de não ter pecados
enquanto houver pecadores.
In "Sete Luas", Lisboa, 1954 - 2ª edição
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