LENDA DO PATO BRAVO
Maria João Brito de Sousa
19.03.09
LENDA DO PATO BRAVO
*
Voa no céu
- tão alto! -
um pato bravo,
e a onda do seu grito
rola no sangue vivo do poente:
"Suam-me versos estas noites velhas
que me descem dos olhos,
lá do fundo,
onde é, talvez, o coração que vê.
Digo ao que vem à frente dessas horas:
- Aqui, viver ou morrer,
mas devagar!
E grito o meu orgulho a sete luas mortas...
Depois, gran-duque e senhor
e rei de um reino de pedir às portas,
choro
e esmolo o pão da vida
aos que de vida são fartos.
E peço amor a algum beijo
gasto, cansado, caído,
que ia a destino e me bateu na boca.
- Há por aí farrapo pra vender?
Sou o dos olhos de mel...
Sou o menino dos luares doridos
que esteve nove meses de joelhos
a rezar o seu medo de nascer".
Voa no céu,
tão alto,
um pato bravo,
agora, no silêncio
do deserto e das almas que se fecham.
O vento servo dos deuses,
certeiro o gume da faca,
mete-lhe o vôo entre fatias de ar:
um "hors d`doeuvre" de apetite
para os papões demiurgos
dos caminhos para Ser.
- Pronto! passou!
Prossiga esse banquete!
O guisado de sóis vem para a mesa.
Continua o roer da Eternidade.
*
António de Sousa
In "Sete Luas", 2ª Edição, Editorial Inquérito
Lisboa - Maio de 1954