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antoniodesousa

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Amigos! Eis aqui o dos olhos de mel! O Poeta!

.MJoão Sousa

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FADO CORRIDO


Maria João Brito de Sousa

23.11.08

Quando me leram a sina

na palma da minha mão,

inda a vida era menina

dentro do meu coração.

 

"El señor tiene dos vidas"

- Melhor nenhuma tivera!

Se uma são horas perdidas

e a outra é estar sempre à espera.

 

Todos sabem onde está

a chave dos seus caminhos;

só eu, de cá para lá,

jogo aos meus quatro cantinhos!

 

Quando o amor por mim passou,

para mal dos meus pecados,

ou mentiu ou se enganou,

e deu-me beijos trocados.

 

"Quem canta seu mal espanta!"

disse quem fala de cor:

- O que a minha boca canta

anda sempre ao meu redor!

 

Pus-me a rir pra quem passava,

com pena de lhe ter pena,

mas a mim não me enganava

o juiz que me condena.

 

"El señor tiene dos vidas!"

- E quem lhes sabe o segredo?

Vinham ambas já vividas

ou eu sou feito de medo?

 

 

In "Ilha Deserta", 2ª edição, 1954

 

Imagem retirada da internet

 

 

 

A VELHA SALA


Maria João Brito de Sousa

19.11.08

velha sala.jpg

A VELHA SALA

*

A velha sala sonolenta

cheira a bordado, a missanga,

a flores mortas, a tristeza, a pó.

Cheira a silêncio inútil

e a amareladas pontas de cigarros

só fumados até meio.

*

A traça roi, nas estantes,

livros que já ninguém lê,

livros que ninguém leu até ao fim.

Do piano, se o tocassem,

a música saíria com bolor!

*

Da velha sala sonolenta

vem qualquer coisa que dá pena

e vontade de fugir!

*

Oh, a minha alma cheia de saudades!

*

António de Sousa

 

In "Ilha Deserta" (2ª edição), Lisboa, 1954

 

DESCAMINHO


Maria João Brito de Sousa

17.11.08

Tinham-me dado um segredo.

Sabê-lo, sem mais ninguém,

era sofrer de alegria!

Amava-o! Tinha-lhe medo!...

Mas guardá-lo muito bem

era tudo o que eu valia.

 

Passei por terras estranhas,

não sei que penas de exílio

por amor dele. Depois,

que desoladas montanhas!

Que desertos sem auxílio!

Mas, deixá-lo! Éramos dois!

 

(Triste mas belo, o caminho!)

Certo dia, não sei quando

- se o lembro, mais se perdeu...-

chamaste por mim, baixinho.

Foste minha! Fui-me dando

até ficar todo teu!

 

Agora vivo a teus pés.

Não vejo mais nem decoro

o meu segredo esquecido.

Sei apenas como és!

E chamo, desdenho e choro

o meu caminho perdido!

 

 

In "Ilha Deserta", Lisboa, 1954

 

Imagem retirada da internet

 

 

NOVA CANÇÃO PERDIDA


Maria João Brito de Sousa

27.08.08

 

Falei!

Ela, defronte de mim,

pálida e séria. Julguei

que era a minha hora, enfim,

e disse como pensei.

 

Pálida e séria. Parecia

tudo o que é belo e distante.

Eu sentia

que me ouvia

para passar adiante.

 

Continuei.

Que valia,

por medo,

guardar o que já guardei

passava mais de ano e dia?

- Segredo do meu segredo?

 

A minha voz ondeava,

à sua volta,

pairava

- folha morta, folha solta

caindo, inútil.

 

Talvez...

- Ia tão longe! Hesitava...

- Uma outra história: "Era uma vez

uma estrela que faltava..."

- Mais longe ainda. E voltava,

mas não ficava de vez!

 

Sorriso pálido.- Triste?

- Sei lá! Talvez humilhada

deste amor que só insiste

com velhas palavras mortas

de bater a tantas portas.

A boca é pra ser beijada!

 

Eu dava graças à noite

que me ajudava,

e nem via

seu sorriso que magoava.

(Seu sorriso de ironia

era o dia

que apagava

as sombras do que eu dizia).

 

Continuei.

Que valia

guardar o que já guardei

passava mais de ano e dia?

 

À sua volta

a minha voz ondeava

- folha morta, folha solta

caindo, inútil.

 

Talvez...

Coração!

Mas... porque não?

- Outra história. "Era uma vez..."

 

 

In - "Ilha Deserta", Editorial Inquérito, 1954

 

INTERMMEZZO


Maria João Brito de Sousa

26.08.08

Estavam todos sentados,

muito quietos e calados,

com os olhos abertos e parados

e a Voz dizia, rica e fácil: Amanhã!

 

Estavam todos já mortos,

corpos inchados e tortos

como ratos afogados nos portos.

- Ontem!... dizia, agora, a Voz piedosa e vã.

 

In- Ilha Deserta

     Editorial Inquérito, 1954

 

Imagem retirada da internet

 

NIHIL NOVI SUB SOLE


Maria João Brito de Sousa

04.08.08

JULGUEI ser o primeiro, quando vim,

Mas todo o chão fervilha de pegadas!

Por novas e velhíssimas estradas

Há apenas vai-vens; princípio e fim.

 

Rezas, paixões e rosas do jardim

São já fantasmas doutras, desbotadas.

Minhas horas já foram desdobradas

Por alguém que chegou antes de mim!

 

Nossas raízes vêem dos mesmos lodos,

Homens! Pois que sabeis minha verdade,

Irmãos em crenças ou descrenças, todos

 

A bem ou mal temos de ser herdeiros

Duma gasta e regasta virgindade!

-Beijos da Vida! Quem os tem primeiros?

 

In - "Ilha Deserta", 1954

 

Imagem retirada da internet

SEM TÍTULO


Maria João Brito de Sousa

27.07.08

Era uma vez um homem como os mais,

a bordo dum navio,

singrando como os outros, sem desvio

das rotas naturais,

com máquinas pulsando como um coração

a bem do comércio e da navegação.

 

Mas vai a lua que, nua, fluía

na piscina do Céu,

uma noite em que o homem se esqueceu

de fechar a vigia,

trepou pelas vagas

e arrebatou-o para ignotas plagas!

 

Pela manhã, no "deck", os passageiros,

quando o souberam, tiveram-lhe pena

(as mulheres sobretudo:

o raptado era de cor morena...)

Pesares de passageiros, passageiros...

À hora do almoço comeram bem

e ao jantar também.

 

Dormiram, amaram

e todos chegaram aos seus destinos

e depois foram ricos, felizes, tiveram meninos

que os continuaram.

E o navio, pesada lançadeira,

continuou - para lá, para cá - na Terra inteira.

 

O homem foi um náufrago perfeito.

A princípio chorou dias inteiros,

depois, para comer, foi trepando aos coqueiros

e  resignou-se a dormir só com a Lua no seu leito.

Tanto viveu assim que ficou "lua":

andava com o corpo e a alma nua!

 

Vieram-lhe ambições. Era rei dos macacos.

Se não morre, senhores, de indigestão de lua-cheia!

E assim acabou esta odisseia.

Os outros mortos dormem em buracos...

este, numa ilha deserta e singular,

jaz de conserva em molho de luar!

 

 

In - "Ilha Deserta", 2ª edição ilustrada por Manuel Ribeiro de Pavia

       Editorial Inquérito, 1954

 

TERRA DE SOMBRAS


Maria João Brito de Sousa

29.04.08

Nenhum de nós! - Outro que vem? - AQUELE!

- Seu nome? - Fora o meu, se lho soubera...

Só lhe sei o sorriso desigual

numa boca subtil que diz: Espera!

.

Mas não sei - nem sabeis - se é bem ou mal

ouvi-lo; ter, ao dobre dos seus passos,

suspenso o coração de amor fiel

e lágrimas de amor nos olhos baços.

.

Ontem, foi só por ele que nasci?

E amanhã, saberei porque vivi,

se nos for o viver seguir-lhe os rastos?

.

Boca selada, frio espelho de água...

- Irmãos! Porque é só minha a nossa mágoa,

se somos - eu e vós - lama dos mesmos astros?

.

In- Ilha Deserta, Editorial Inquérito, 1954

.

Ilustração de Manuel Ribeiro de Pavia

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