A MORTE DO ENCANTADO
Maria João Brito de Sousa
31.03.09
Calou-se - bebeu-a a noite -
aquela fonte encantada
que me ensinou a cantar.
Calou-se: bebeu-a a noite
que nunca tem madrugada
nem rouxinóis ao luar!
Agora fiquei só eu
e a cinza do meu cigarro
e os livros da minha estante.
agora fiquei só eu:
- Triste boneco de barro
que tivesse alma um instante!
Sòzinho choro de bruços,
rojado às pedras da estrada,
saudades nem sei de quê...
sòzinho choro de bruços...
Sou uma estátua quebrada
dum deus em que ninguém crê.
Fui um menino prodígio,
incêndio, língua de chama,
pastor de estrêlas e sóis!
- Agora sou um vestígio,
uma pègada na lama
para os que vêm depois...
Calou-se tudo; nem ouço
o relógio dos meus versos:
as artérias a pulsar...
a noite... o fundo dum poço...
e, como troncos submersos,
meus ossos a tiritar!
Calou-se - bebeu-a a noite -
aquela fonte encantada
que me ensinou a cantar.
Calou-se - bebeu-a a noite,
a que não tem madrugada
nem rouxinóis ao luar!
In "Caminhos", 1933
Nota - Todas as transcrições mantêm, neste blog, a grafia original